Dia abrochado às custas do funesto e delicioso umbral dos trópicos faz despontar amarelado pálido astro-rei que fervilha da umidade noturna o bafo da vida. Desarrolham-se aos ouvidos cantigos de bem-viver de passarinho de um tom ansioso do frenesi de ir para além buscar vida. Quantos mundos de conquista ainda lhe reserva a jornada: há muito de que se fazer! Correr léguas já lhe predestinou os céus, carrega consigo incrustado à carne a predestinação do além voar, a cercar do que viver. Passa arvoredos que de verde não lhe confundem os caminhos, pousa ramos amigos que de bondade lh’oferecem alimento, caminha ribeiras profundas que de cristalinas lhe servem a própria imagem. Acompanha sempre o dom de cantar nos festejos do sempre bom procurar lugar d’onde repousar. Sempre se há ainda o que comemorar. Bons ventos não lhe escassam, amenidades que só privilegiam as terras dos mares. E vai a volar o pequeno pedaço amarelo de Deus, tão imponente e tão importante ao alto de todas as existências.
Até barrar-se com vapores cinzentos egoístas, produto da desevolução humana. Impregna-lhe de lhe fazer retorcer, turbulências do novo mundo. Já aqui não há mares verdes que de suados concedem o suco da vida. Já aqui não há os horizontes recortados que de límpidos favorecem as novas escaladas. Já aqui não há as correntenzas harmoniosas que de bondosas convidam todos a dela se fartar. Já aqui não há a solidariedade que do bem conviver enriquece a busca pela vida. Aqui é terra d’El-Rei concreto d’argamassa, dos horizontes cinzas apavorados e tremidos, das correntezas melancólicas e funcionais, dos pecados e imundícies. Impera aqui o pecado sobre a virtude, a malevolência sobre a benevolência, o egoísmo sobre a comunhão. E que de confuso em pairando sobre os ares desconhecidos de um aroma perturbador, o heroi perde as forças e as conexões do seu instinto, pousa na beira de um precipício murmurante. Não sabe onde está nem aonde ir. As vozes fulminam-no e paralisam-no como em um retirar-lhe vitalidade. E se abandona inerte ao próprio destino, sem radares coerentes que o faça voltar para as amenidades doces do lar.
Já murcha o sol tropical de quase zênite e as mãos do umbral agarram a terra construída, conferindo-lhe fantasmagoricamente maus agouros. Cessam-se já as fervilhações humanas para dar lugar à solidão labiríntica de espaço público. Sombras delineiam natureza morta, frágil e em desequilíbrio. E resta ainda o heroi abandonado de lânguido arrastar, lamuriante de um cantar débil, errante de um caminho bom. Venenos entopem os caminhos da voz e cambaleiam as perninhas finas e fracas inocentes de um ente estranho à brutalidade do ambiente. A escuridão úmida reflete uma calma impensada para aqueles ambientes de selvageria humana – as transformações que se operam em poucas de horas surpreenderiam o mais boçal da espécie, que vai todo dia chacoalhar a paz do espaço planejado. Nestas profundas horas em que o céu descansa das intempéries imperiais do rei, já não se ouvem balbúcies, nem passadas, nem cantos de aves, perdidas a meio fio de calçada.
Lorenzo Baroni Fontana