O espelho da lua e o espelho do homem

Para Ana Luísa Amaral, perante o olhar do outro, o poeta é um fingidor (ou um imitador, na concepção aristotélica[1]). As motivações para cada um de seus poemas estão todas mascaradas a espera de um olhar novo. As descobertas possíveis sob novos olhares são um novo saber acrescentado ao saber primordial do poeta, olhares que deturpam e enriquecem o poema, mas que certamente roubam a inocência da pré-publicação. Segundo a poeta, depois da publicação do primeiro livro Minha Senhora de Quê (1990), sua poesia perdeu a inocência virginal para nunca mais atingi-la. A publicação significa o compartilhamento daquele mundo, e mais que isso, significa o convite à entrada do outro neste mundo, onde ele também poderá reconstruir este mundo, refletindo (em reflexos) a si mesmo e acrescentando outros mundos[2].

O importante na arte poética de Ana Luísa Amaral é a constatação da poesia como (des) construtora de mundos. A linguagem na poesia possui o poder de trazer o ser à luz da presença e relegar o não-ser à obscuridade do esquecimento. Assim, a linguagem cria o mundo, configurando o que é, o que não é, e o que poderia ser. Compreendida dessa forma, a poesia de Amaral possui o poder de presentificação do real, mas também o de presentificação da mentira símil ao real. Este poder é a possibilidade de desvelar o real ou ocultá-lo sob o véu da similitude compartilhada com o outro – o irreal[3]. Aqui apresenta-se a riqueza temática da poesia e toda a sua forma, que pode operar com a pura verdade, com a verdade disfarçada de ficção, com a ficção disfarçada de verdade ou com a pura ficção. A perda da inocência pré-publicação passa por esta reconstrução que o alter olhar opera sobre o mundo do eu-poético ao fazer ser, na linguagem, coisas do seu próprio mundo. O olhar alter, outro, alternativo, traz as coisas do seu mundo à presença das coisas do mundo do eu-poético, e esta possibilidade não é lamentada pela poeta, que deseja sua obra enriquecida, um ponto de partida, coisas de partir e de partilhar.

E se tu não estiveres onde o poema está?[4]

A poeta marca a preocupação do encontro de mundos. O seu próprio mundo pode desencontrar-se com o mundo do seu objeto poético e com os mundos que a leitura acrescenta. No seio dessa preocupação é que o universal e o natural serão capazes de todos os mundos tentar fazer convergir. A partir das coisas de partir e de partilhar, deseja-se que os mundos convirjam, abracem-se e englobem-se no poema, refletindo, ao mesmo tempo, o universal e o temporal destes mundos dentro do poema, objeto cultural humano, lugar onde o humano se reflete e é refletido de volta infinitamente a cada mundo acrescentado como um espelho.

Quarto-Crescente

1         Porque vejamos: uma lua destas
2         já nem lua é. A lua quer-se grande,
3         leitosa, apontável às crianças:
4         olha o homem da lua, os olhos, a

5         vassoura. Mas uma lua destas
6         desfazendo-se em sombras, um ar
7         de quem passou o dia em claro
8         já nem lua é. Que não exija então

9         o impossível, que não se finja
10        a sério a pedir versos e algum olhar:
11        o poeta não usa telescópio,
12        nem se vai acordar uma criança
13        por gomos de luar.

O olho rápido e distraído do primeiro contato reparte Quarto-Crescente em um título e três estrofes, que tomam por objeto poético um dos fenômenos mais perseguidos pela sensibilidade humana ao longo das eras: a lua que se insinua e se exibe em toda a sua beleza para depois esconder o brilho, um ciclo perfeito e infinito de presença e ausência que o olhar humano de todas as épocas e espaços tentou desvelar. Já o próprio título parece querer dizer muito mais do que ele deveria enquanto síntese ou antecipação preparatória do conteúdo. Quarto-Crescente alude, conforme a linguagem lógica e funcional do cotidiano, uma fase por que a lua passa entre o caminho que liga sua ausência completa (lua nova) a seu total desvelamento (lua cheia), uma fase intermediária em que cerca de dois-quartos de sua superfície reflete a luz solar e, assim, se dá a ver por metade a partir da Terra – metade da superfície iluminada pela luz do sol, refletida em frações para a superfície terrestre e uma das quatro fases lunares que cumprem seu ciclo total, um infinito ir e vir. A possibilidade de ambiguidade na interpretação dos dois signos – quarto e crescente – é totalmente dissolvida na justaposição que o hífen opera entre eles. Comumente não existe necessidade do hífen para marcar esta justaposição, mas a escolha de sua utilização não parece ser fortuita ou apenas para diluir a possibilidade de duas leituras. Os dois elementos são semanticamente impossíveis sozinhos; o conteúdo de um superpõe-se ao conteúdo de outro, e parece não haver possibilidade de resgatá-los da mistura sem danificar o sentido.

Sem se importar com a relevância do estranhamento que o hífen do título causou, o olho curioso percebe, em seguida, algo semelhante por toda a estrutura do poema, a começar pela evidente ligação entre o título e o verso que o segue.

Quarto-Crescente

Porque vejamos: uma lua destas
já nem lua é. A lua quer-se grande,

A primeira palavra do primeiro verso na primeira estrofe evidencia uma quebra sintática importante a se observar, – a explicação principiada pela conjunção porque exige uma referência, um argumento – e faz supor que o título cumpre, estruturalmente dentro do poema, função superior a de apenas título. Confirma-se a sensação de que o título não cumpre apenas função introdutória ou de síntese. Definitivamente não é a primeira estrofe que define o ponto de partida, como faria supor a experiência abrangente e geral com outros poemas, em que entre o título e o corpo do poema há uma pausa, um recomeçar, um conhecer influenciado por aquele. Aqui, ao contrário, há entre o título e a primeira estrofe uma conexão íntima criada pela sintaxe, a primeira parte do corpo é a continuação orgânica do título, que lembra o fluir contínuo de uma fase à outra da lua no seu ciclo infinito. A conexão obrigatória entre as constituintes é representada pela sintaxe e, dentro do próprio título, pelo hífen, fazendo alusão a ideia geral de união, comunhão.

A quebra sintática é observada também entre todas as outras estrofes, de modo que dois elementos que exigem a presença um do outro separam, ao mesmo tempo, a si mesmos e as estrofes, criando assim continuidade entre as partes do poema e fundindo-as em um todo organizado. A mesma situação é verificada com relação aos versos: a sintaxe exige a conexão destes dentro das estrofes, desconstituindo-os como unidades significativas independentes.

Um verso reclama o outro, bem como uma estrofe reclama a outra, e assim o poema é um ininterrupto de fases contínuas e íntimas. Desse modo é possível corrigir a primeira divisão operada pelo olho rápido e repartir estruturalmente o poema em quatro partes, incluindo o título e as três estrofes, todas as partes de igual relevância na constituição do todo. Juntamente às funções de introdução e síntese, o título adquire importância de estrofe. As quatro partes divididas perdem o sentido de existência quando não conectadas intimamente entre si, força desempenhada pela sintaxe. Salta aos olhos a sugestão aproximativa entre as quatro fases contínuas da lua e a composição estrutural das partes no poema. Ambas reproduzem o fluir contínuo de fases mais ou menos estabelecidas visual e estruturalmente. Consciente da importância capital do título para a percepção de continuidade de fases dentro do poema, é prudente propôr uma nova numeração de versos que inclua o título, e que será utilizada como referência daqui em diante.

1                 Quarto-Crescente

2         Porque vejamos: uma lua destas
3         já nem lua é. A lua quer-se grande,
4         leitosa, apontável às crianças:
5         olha o homem da lua, os olhos, a

6         vassoura. Mas uma lua destas
7         desfazendo-se em sombras, um ar
8         de quem passou o dia em claro
9         já nem lua é. Que não exija então

10        o impossível, que não se finja
11        a sério a pedir versos e algum olhar:
12        o poeta não usa telescópio,
13        nem se vai acordar uma criança
14        por gomos de luar.

A quebra sintática observada principalmente entre as estrofes (mas também entre versos) parece querer sugerir mais do que a coligação das partes no todo. A separação traz consigo a necessidade de união. O que a estrutura quebra o sentido busca unir. Atrelado a isso, a leitura do poema faz vislumbrar um fluir perfeito entre as partes, estas praticamente inidentificáveis ao ouvido, criando uma sensação de continuidade entre os blocos significativos, exceto em alguns momentos, como no ponto final do sexto e nono versos em que as pausas precedem mudanças no discurso poético. Estas exceções, entretanto, ocorrem no interior do verso, dentro do bloco visual da estrofe. A quem os versos chegar por ouvido certamente as divisões entre os blocos não serão equivalentes a quem com eles entrar em contato visual. Mas assim como o luar, o Quarto-Crescente é para ser visto.

Espelhada no comportamento do globo terrestre, a lua segue um ciclo de sim e não, de aparecimento e apagamento, ciclo que o olhar humano convencionou dividir e classificarem partes. Aoorganizar a experiência humana em relação ao fenômeno, a convenção fere o caráter contínuo da natureza. Desfeitas as abstrações humanas de repartimentos, os momentos lunares sobrepõem-se uns aos outros, em um fluir contínuo de pertencimento entre os momentos. O estado anterior se projeta no estado seguinte infinitamente em círculo, na certeza de que o que foi sempre voltará, e o que voltou, ir-se-á (para voltar). O título se projeta na primeira estrofe, que por sua vez se projeta na segunda estrofe, esta projetada ainda na terceira estrofe, a criar um fluir imitativo da natureza do astro. O olho, agora mais atento, será capaz de detectar quatro fases de poema que não se constituem sozinhas, mas deslizam-se umas nas outras, projetam-se umas nas outras em deslocamento contínuo, fugindo à radicalização da convenção humana em estancar a vida em períodos determinados e estáticos, ainda que guarde na aparência a repartição convencional. Isso não significa que a convenção do olhar humano seja desprezada: tanto o ciclo lunar quanto o poema como objeto cultural do ser humano são visualmente repartidos em fases pela convenção, não obstante sua natureza dialética de projeção de um estado anterior ao estado seguinte, gerador de continuidade, esteja presente.

A poeta foi brilhantemente capaz de retirar da observação a Natureza grande lição ao projetar, através de imitatio, em um objeto cultural a perfeição de um processo natural. Nada é estanque no passeio da Lua pelo cosmo, mas isso nem sempre se revela sob o ponto de vista humano que, ao criar um paradigma para interpretar a realidade que observa, toma como verdade a parcela dela que se lhe apresenta. Quarto-Crescente se quer uno, grande e leitoso como a lua louvada pelo eu-poético; ele se quer tão perfeito quanto a perfeição que a Natureza impôs à lua. E é assim que o poema imita a ação, não de um homem superior de Aristóteles[5], mas da superioridade máxima que é a Natureza.

O momento de lua que é percebido pelo eu-poético, entretanto, parece não corresponder à expectativa de superioridade que a Natureza concedeu à lua, momentos de sua plenitude, em que ela se desvela na luz solar e faz sugestões à imaginação humana. Da mesma forma que a lua projeta no homem centelhas da luz solar, o homem projeta a si próprio na lua e deseja centelhas de si mesmo de volta: o homem da lua, os olhos, a vassoura (versos quinto e sexto). O homem e seus objetos imaginados na lua deleitam as crianças – e o poema como imitatio a quem ver (ler) – quando ela se desvela por completo, sem se obscurecer, esconder sua verdade e a verdade humana projetada nela. A lua como espelho da imaginação humana, que mostra concretamente ao homem todos os objetos da sua imaginação, carrega consigo a responsabilidade de encantar e frustra quando se esconde a cumprir esta responsabilidade. O eu-poético não reclama mais que a plenitude lunar, aquela que, por projeção, desencadeia e ilumina a imaginação humana e entrega a ela a sua própria concretização.

A segunda estrofe aprofunda o tom dramático da dor de quem deseja aquela plenitude lunar, atingindo o ápice patético na metáfora do homem fatigado que madrugou o dia (e não a noite). De fato a lua espia o homem também durante o dia, mas uma vez iluminado pelo sol, o encantamento daquelas projeções de si mesmo não são possíveis até o cair da noite. Entretanto, à noite, a lua fatigada já não é capaz de revelar ao homem o próprio homem e se desfaz em sombras necessárias ao seu fluir cíclico, em que as fases se sobrepõem ao encaminhar para uma direção. O tom dramático é aprofundado com a repetição, na segunda estrofe, dos versos uma lua destas… já nem lua é, proclamado na primeira estrofe de forma contínua. Esta repetição traz a sensação de um diálogo falado, dramatizando a dor do eu-poético, negando à lua sua própria natureza de lua, uma vez fugida à sua responsabilidade de espelho encantatório do homem.

A lua desfaz-se em sombras com um ar de quem passou o dia em claro. A necessidade de colocar-se em ausência é decorrente da necessidade de trazer-se à presença. Aqui o ciclo natural do astro é personificado na suposta contradição ocultamento versus presentificação, como se por algum julgamento moral a lua escolhesse sua posição e assumisse as consequências disso: que ela não exija, estando em ocultamento, algum olhar, um mínimo olhar, talvez mesmo o olhar frustrado de quem não se pode mais enxergar nela. Esta é a frustração do eu-poético que, nas fases sombrias do ciclo lunar, não enxerga claramente a si mesmo e desanda em dor e raiva por perder um ponto de referência de si. O amargor chega ao ponto de uma leve sugestão de ameaça de negação de versos e olhares para a lua.

Os dois últimos versos sugerem não se acordar uma criança por um luar partido. Por sugestão do verso décimo segundo – o poeta não usa telescópio –, a criança é parte do homem-poeta, sua metonímia, a parte dele que deve ser despertada para contemplar e louvar em versos a lua. O primeiro registro de crianças, entretanto, no quarto verso, pode fazer referência àquele olhar humano em geral, que se projeta na lua e deseja coisas de si mesmo de volta em forma de luz, de esclarecimento. Ao juntar as duas possibilidades, chega-se à criança como uma alegoria do olhar construtor do homem. De fato, tanto o homem-poeta como o homem observador da lua representam olhares construtores, ambos constroem todo um mundo representativo – na lua e no poema.

O observador da lua resgata seu mundo (e elementos do seu mundo) na lua através e apenas através da luz. A lua ilumina o homem-observador e entrega a ele todo um mundo reconfigurado, fruto de um outro mundo por ele mesmo projetado nela. A luz, ao mesmo tempo em que possibilita o desvelamento e o esclarecimento, é também quem incita mais imaginação. A luz é o combustível que alimenta o ciclo do desvelamento-imaginação-projeção-desvelamento-imaginação-projeção… ad infinitum. A fonte dessa luz é o lugar que permite que tudo aconteça ao seu redor e por sua presença apenas, e não à toa é chamado de majestade. O leitor também recupera o seu mundo e o mundo do poeta no poema, através do poema. O mundo lhe surge reconfigurado, fruto de um encontro do mundo expresso pelo poeta no poema e do mundo que o leitor projeta no poema. E assim cria-se uma identidade, um ponto de intersecção entre os mundos que são diferentes, mas iguais ao mesmo tempo, já que participantes do humano e da obra humana, a cultura. O homem projeta seu mundo no poema e enxerga um mundo novo de volta, mundo que lhe corresponde.

Claro está que o poema representa (imita) a lua, e através dela, realiza metalinguagem de si mesmo. Esta representação da lua acontece em níveis vários. Primeiramente através do comportamento (ação) cíclico dialético, em que as fases lunares se sobrepõem umas às outras, definindo, na evolução de si mesmas, a sua supressão para o advento do outro, com quem mantém contato vital. Analogamente, o poema constitui uma unidade cujas partes se desenvolvem e se suprimem para ceder espaço a seus outros pares, de quem não se podem distanciar. O recurso linguístico utilizado para criar tal efeito estético é a sintaxe, exigente de unidade entre os sintagmas. Como discurso linear e determinado no tempo, o poema, objeto cultural humano, é finito, tal qual seu criador, e não pode fechar perfeitamente o ciclo natural observado na lua, mas recria em seu próprio corpo e seu próprio ser a fluidez natural da ação lunar.

Entretanto, o último vocábulo do poema – luar – rima com olhar no décimo primeiro verso, com ar no sétimo e com acordar no décimo terceiro, criando uma ressonância, um eco, um movimento de volta. Esta sensação de ciclo criada pelas rimas projeta ainda mais o poema na imagem cíclica da lua, contornando e resolvendo esteticamente o caráter finito da linguagem. O poema, de fato, tem o seu fim, mas continua ressoando em círculo na imagem mental do som.

Ar (quatro versos) olhar (dois versos) acordar (um verso) luar.

Ar . . . . olhar . . acordar . luar.

O fato de as rimas aparecerem ora no interior, ora no final dos versos reflete o caráter contínuo do processo cíclico que o poema imita da lua, sem coincidir com as partes que a tradição humana convencionou para as fases lunares e para a estrofação. A lua continua a reproduzir sua caminhada contínua no universo tanto quanto a incitar sua divisão em quatro momentos de lua. Quarto-Crescente continua a reproduzir estruturalmente a tradição da poesia em estrofes, mas ao mesmo tempo liberta-se dela para se fazer fluir, como a lua.

Os quatro léxicos em rima, reproduzindo o movimento lunar encaixado no olhar humano, ainda despertam a temática do poema como metalinguagem de toda a obra poética, que, como a lua, exige um olhar de partida e uma percepção de volta (de si mesmo e de outros). Olhar corresponde ao gesto de trazer a si mesmo e seu mundo ao que se olha; e acordar corresponde a perceber algo de si e do seu mundo naquilo que se olhou. Quarto-Crescente mostra essa atitude na lua e na poesia.

Quarto-Crescente

Ar

.

.

.

.

Olhar

.

.

Acordar

.

Luar

Outra consequência direta do poema representar (imitar) a lua é a característica de espelho compartilhada por ambos. Na imitação comportamental e estrutural com a lua, o poema assume a função lunar de reflexo do homem cultural. Nos versos cinco e seis, o eu-poético enumera as possibilidades de enxergar a si mesmo e objetos do seu mundo na lua – o homem da lua, os olhos, a vassoura –, em uma ânsia de encontrar-se projetado nela. O poema como lua, por sua vez, também refletirá o homem e objetos do seu mundo, como em um espelho a enxergar coisas de si mesmo. A perda de referência a partir do sombreamento da lua representa uma dor universal de perda de identidade, origem do antropocentrismo e de cuja exacerbação provém os piores males humanos. Esta frustração vem refletida em Quarto-Crescente em forma de raiva e ameaça, bem como as consequências comportamentais desta perda, como a negação à própria referência – estando em sombras, que a lua não peça algum olhar. O telescópio – objeto do mundo humano – também aparece refletido no poema como representante do sofrimento transformado em ironia.

São essas coisas enxergadas e reinterpretadas no poema que fazem a universalidade e a beleza de Quarto-Crescente, participante de Coisas de Partir, livro de poemas publicado em 1993. Quarto-Crescente é um ponto de partida e de partilhamento, como a autora definiu toda a sua arte poética[6], lugar de encontro de mundos, mas é também coisa a partir, já que estruturalmente imita, a partir de partes, o comportamento natural da lua, convencionalmente reinterpretado pelo olhar humano em fases razoavelmente separadas. O poema é a lua: a lua é o poema. A lua (o poema) reflete ao homem o próprio homem e seus objetos culturais. O homem olha a lua (o poema) e reflete-se nela (nele). O olhar humano é capaz de reconstruir o mundo que se reflete na lua (no poema). O mundo enxergado na lua (no poema) é uma reconstrução operada culturalmente pelo mundo humano.

Lorenzo Baroni Fontana


[1] ARISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro de Sousa. Porto Alegre: Editora Globo, 1966.

[2]HORTA, Maria Teresa. Entrevista à poetisa Ana Luísa Amaral: ordenar nos livros o que está desordenado. Disponível em: http://www.arlindo-correia.com/240501.html Acesso em 13 jun. 2011

[3] HESÍODO. Teogonia. Estudo e tradução de Jaa Torrano. 5° Ed. São Paulo: Editor Iluminuras, 2003.

[4] “Tento empurrar-te de cima do poema” In Coisas de Partir. Coimbra: Fora do Texto, 1993

[5] “Mas como os imitadores imitam homens que praticam alguma ação, e estes, necessariamente, são indivíduos de elevada ou baixa índole (porque as variedades dos caracteres só se encontra nestas diferenças [e, quanto a caráter, todos os homens se distinguem pelo vício ou pela virtude]), necessariamente também sucederá que os poetas imitam homens melhores, piores ou iguais a nós (…)”.ARISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro de Sousa. Porto Alegre: Editora Globo, 1966, p.70.

[6] HORTA, Maria Teresa. Entrevista à poetisa Ana Luísa Amaral: ordenar nos livros o que está desordenado. Disponível em: http://www.arlindo-correia.com/240501.html Acesso em 13 jun. 2011

Published in: on 17 mars 2012 at 18 h 14 min  Laissez un commentaire