Minuit de ma vie X

Se o século XXI me faz provas do encurtamento de distâncias de que ele é capaz, os meus olhos nunca deixam de se desolar com a falta de continuidade bem além do horizonte que alcançam, para, em seguida, tombarem em nada. A experiência refuta a tecnologia e eu, enquanto criança, não poderia mais que vislumbrar imageticamente a possibilidade de ter algo além do meu horizonte de província. De fato, era com tal curiosidade que eu observava os aviões que cruzavam a estrada azul, ao mesmo tempo em que deixava me invadir pelas primeiras centelhas da grande ansiedade que viria a misturar-se sem distinção com a minha alma. A triste experiência da pós-modernidade encobriu até o céu às vistas, matéria para germinar o pensamento distante. Nascido em capital de província mas crescido grande parte da infância em uma cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul, este foi o primeiro sentimento de não pertencimento de algum lugar ou pertencimento de nenhum lugar.

Se o Renascimento não tivesse esgotado o conceito de antropocentrismo, talvez hoje convivêssemos melhor com o que nos circunda e não acharíamos tão naturais as teias por onde nos enredamos. Se eu houvera antes sabido deste suplício, provavelmente me teria sido menos atraente a ideia de procurar todo um mundo fora de uma pequena aldeia. Sinto como se hoje eu fizesse o caminho inverso do impulso de mergulhar no mundo e quisesse antes estar à parte dele, ou melhor, em uma parte tranquila e silenciosa dele, repleta de anciães calmos e misteriosos cheios de acontecidos para contar. Quanto mais senis do mundo pós-moderno, mais interessantes eles são – foi o que no fundo me atraiu no meu avô nos seus últimos anos de vida. A sensação da morte realmente deve ser um dos momentos mais sublimes ao espírito humano, que, como prestes a entregar-se a um caminho obscuro, goteja luzes de significados preciosos a toda uma vida corrida. Paralelo a isso, ao moribundo está permitido toda a sorte de direitos humanos e divinos – a hora da morte é a sua hora na vida.

Percebo que a fronteira que busco atingir hoje é aquela que separa a pós-modernidade de alguma coisa. Quando vislumbro a infância e constato que, ainda que houvesse pegadas mundanas na minha vida, o meu mundo era encantadoramente construído por mim mesmo, sinto no meu adulto a necessidade de recuperar aquela felicidade de conhecer e sorrir aos que estão a minha volta ou passar horas sonhando acordado no pôr do sol, receando que o dia demorasse demais em se fazer presente. Não poderia hoje levar às últimas consequências as exigências de um mundo que deixou de tratar com carinho esses meus valores tão caros de solidariedade, contemplação e respeito à Natureza, que longe de ser uma entidade abstrata, tem em si todas as crenças de Mãe Absoluta.

À propósito disso, lembro-me que este sentimento religioso em relação à Natureza já estava programado em mim para inevitavelmente um dia abrochar. Se eu aceitar todos os acontecimentos encadeados como necessários uns após os outros é porque a Natureza fez disso uma lei natural. Mas se eu aceitar simplesmente como natural os acontecimentos que nos enredam na teia da vida pós-moderna, eu estaria retirando do homem a responsabilidade sobre a confecção desta teia. Entretanto até a cultura a Natureza engloba.

Tive quando criança o melhor ensinamento de respeito e solidariedade, que certamente estão impregnados nos esquemas mais primordiais do meu pensamento. Minha avó materna nos costumava alertar que, ao retirar as frutas das tantas árvores que tínhamos no grande pátio, agradecêssemos às árvores a gentileza de nos ofertar seus frutos, como se árvores fossem personificadas – pensava eu na época. Estas árvores benévolas, porém, são mais que isso, porque não compartilhando a natureza humana mas pertencendo à Natureza como um ser dela, merecem o máximo de respeito e amor que se possa dedicar. Já tive a oportunidade de mencionar aqui este ensinamento na carta que escrevi para minha avó, Lettre à Yeda.

Hoje sinto a flora receptiva a mim, e desde que esteja confinado em um Jardim Botânico, não me sentirei só. Contrariamente, onze milhões de seres humanos são capazes de fazer de um círculo de poucos quilômetros quadrados o mais gelado dos cemitérios de pedra. Colho uma maçã da macieira, agradeço sua generosidade, faço conhecimento dela e, através do seu fruto, incorporo-a em mim, no que ela tem de melhor para me oferecer. Talvez jamais a volte a ver, mas haverá substância dela em mim: substância física e espiritual, porque o encontro de dois filhos da Natureza não é gratuito, mas grandioso e significativo. E se o encontro é vivência, há uma carga pesada a ser intercambiada, e o tempo terá de se alongar para comportá-la.

Entretanto, não há tempo nem espaço para a não-vivência do século XXI, que, ao passar correndo, quer deixar como herança ao homem mais tempo para ele não-viver. O século XXI deseja alongar a vida biológica humana para os limites dos cem anos, deseja fazer do homem um ser secular, mas em troca retirar-lhe-á a vida que não encontra mais espaço nem tempo de se manifestar. A resignação cordial a este estado de coisas faz lembrar a fé ardente de muitos rebanhos humanos em um futuro melhor construído em bases de lágrimas, como se o sofrimento coletivo, desordenado e irracional fosse algum preço a se pagar por alguns futuros segundos de dignidade.

Lorenzo Baroni Fontana

Published in: on 26 août 2011 at 1 h 58 min  Laissez un commentaire  

À ma très chère maman noire

Pour mettre en scène toute l'admiration que je nourris chaque jour à cet être que j'ai choisi d'appeller maman et qui néanmoins habite de l'autre côté de l'Amérique. Une femme à voix de miel qui m'inspire avec son chant. Merci d'être dans ma vie.



Lorenzo Baroni Fontana
Published in: on 14 août 2011 at 17 h 30 min  Laissez un commentaire