La promenade du viel homme

Le jour tombait et les rayons du soleil pâlissaient pour donner place à la lune, qui ascendait pleine. Un garçonet tout petit marchait parmi les allées qui allaient et venaient en parcourant le jardin fleuri des maisons saumons. Le viel homme était déjà assis et regardait le garçon qui vint s’asseoir à côté de lui.

– Je savais déjà que tu serais ici à cette heure. Elle est très belle, la lune aujourd’hui, n’est-ce pas ?

– Qui êtes-vous, Monsieur ?

– Je suis toi-même d’ici quelques années et je sais que tu es là pour chercher la lune. Elle te touche, elle t’enchante. Mais reste tranquille, je ne suis pas un sorcier à qui on a permis de prévoir l’avenir. Je ne suis qu’un vieillard qui a besoin de revisiter son passé, si cela est encore possible. Ce sont les couleurs de la vieillesse qui obligent un viel homme à regretter les pas qu’autrefois il a fait. Tu as un visage tendre, étranger à toutes les saletés des hommes. Ne permets pas que l’on se moque de toi. Conserve tes airs d’ange et reste comme ça, en regardant le monde du haut de ta dignité d’enfant. On t’apprendra que l’argent est l’essence de ta vie, que la réputation, la gloire et les convenances valent mieux que les choix que tu pourras entreprendre. Ne leur crois pas ! Aie clair dans ta tête que tu peux construire le chemin sur lequel tu marcheras. Au fait, sûrement tu ne voudras pas devenir celui qui te parle : un viel homme fatigué, abattu par les pouvoirs de la vie que l’on lui a imposés et qui n’a jamais eu la force de aller à la recherche de ce qu’il souhaitait.

Le garçon resta en silence pendant un moment, tout en regardant celui qu’il deviendrait dans l’avenir. Une fois qu’il eut pris congé du viel homme, il s’en alla, sûr de n’avoir rien compris.

Lorenzo Baroni Fontana

Published in: on 27 février 2012 at 13 h 10 min  Laissez un commentaire  

Decamerão e o limite do encantamento medieval

Um padre católico empobrecido faz uso da imaginação para engendrar novos meios de subsistência e, ao mesmo tempo, atingir satisfação amorosa através de um antigo objeto de contemplação, pertencente a um outrem seu par. Ele passa a se utilizar de uma linda égua para, de uma parte a outra, vender mercadorias. Esta linda égua, por sua vez, transforma-se, à noite, em linda mulher, com quem o padre diz deitar-se todas as noites. O feitiço da transmudação do animal a mulher é reclamado por este seu par, padre casado e feito igualmente mercador para complementar seus rendimentos. Os gestos necessários para a realização do feitiço consistem no apalpamento do corpo da mulher na medida em que certas palavras mágicas são proferidas. Por fim, realiza-se a introdução do rabo de cavalo na mulher, um procedimento mais difícil e mais demorado. É dessa forma que um padre, durante o dia, juntamente com sua égua, caminha de parte a parte a vender mercadorias; e, durante a noite, mediante feitiçaria, transmuda sua égua em linda mulher, com quem desfruta prazeres durante toda a noite. Aquele amigo, seu par, cuja mulher o havia incitado a proceder em si própria da mesma maneira, permite que o padre realize a cerimônia mágica de metamorfose e realmente acredita no que vê, ainda que considere a prática estranha e faça com que termine antes de chegar ao fim.

Este protótipo de novela é bastante provável e imaginável quando proferido por algum de meus contemporâneos, e mesmo pelas gerações que me antecederam desde os séculos da Ilustração, a luz que incendiou as propaladas trevas medievais. Considerando, entretanto, as fontes mitológicas que, em geral, os gênios literários medievais utilizavam na construção de suas narrativas, parece improvável cogitar a existência de textos de tom realista como aqueles que compõem o Decamerão de Giovanni Boccaccio. Pelo contrário, imaginar-se-ia, por sapiência do tipo de organização social preponderante na Europa medieval, que os contos dos trovadores reunissem em seus textos – sejam cantados ou escritos – as experiências e crenças humanas e religiosas de uma consciência estabelecida de magicidade do mundo e da vida, provavelmente uma condição importante para o entendimento da vida nos agrupamentos humanos que partilhavam costumes e crenças. Esta fé na experiência das maravilhas era uma explicação formidável para o funcionamento do mundo e do homem no mundo. Por outro lado, tinha de haver neste estado de espírito sócio-cultural as sementes para o florescimento de uma consciência crítica que, mais do que apontar seus enganos, objetivava superá-la. Por que razão alguém acreditaria que, por intermédio de feitiçarias, gestos e palavras, seria possível transformar uma linda mulher em uma linda égua de carga e vice-versa? Obviamente – no entender do autor – o ritual ocultava algum desejo pessoal desonesto de deleite sexual, próprio da natureza humana, portanto terrena e desprovida de qualquer tipo de encantamento, uma vez sentida por todos os seres humanos. Esta impressão, despertada por tal novela, de um desejo de superação de certas condições estabelecidas na vida é um traço forte de cada uma das cem novelas reunidas. Boccaccio, por mais imerso que pudesse estar na consciência mítico-religiosa da sua época, apresenta sinais na argumentação dos textos que evidenciam uma tentativa de superação desta mesma consciência, o que parece sugerir que o Decamerão seja uma obra fronteiriça de um outro estado de espírito humano, uma nova maneira de conceber o mundo e o que haja neste mundo.

Estas são indubitavelmente as primeiras células do realismo formal, um conjunto de estratégias literárias que, a partir do final do período medieval, refletiriam a nova consciência humana diante do mundo e de si mesma, lentamente desenvolvida pelas práticas filosóficas do Renascimento que gloriavam o cientificismo, as explicações lógicas do mundo advindas do empirismo, a tomada de consciência do eu, do individualismo construtor do próprio destino em evolução, e, consequentemente, a busca das novidades extra-ordinárias (mas explicáveis) e a mundialização mercadológica. A observação dos fenômenos substitui os mitos de maravilhas, e a decadência da crença ingênua institui a dúvida e a crítica irônica, ferida de morte a procurar novos embasamentos para continuar vivendo.

Boccacio não apenas apresenta a fé dos personagens que acreditam na transformação de seus mundos através das maravilhas mítico-religiosas, mas, sobretudo, ironiza e marca o descabimento desta forma de pensamento. É possível que os textos fossem produzidos com fins de provocar o deleite daqueles que os lessem, tal como os dez personagens contadores de histórias desejavam ao reunirem-se em rodas de conversação durante dez dias consecutivos – ainda que o deleite, neste caso, se prestasse também ao aconselhamento moral através de exemplificações. Porém, o reflexo da maneira de viver e sentir medievais estão postas de uma tal maneira que o espírito de Boccaccio não se furtava a refutar. Os próprios personagens – três rapazes e sete moças – decidem fugir de sua realidade social imediata, ao se refugiarem da grande peste negra que avassalava a Europa, construindo, em lugar seguro, um protótipo da organização social vigente, em que, a cada dia, um dos componentes do grupo assumia o comando de todos os outros – reclamando para si respeitos de potestade – e ditava as regras para o novelar do dia de seu reinado. Algo como uma fuga da origem para um lugar onde esta mesma origem possa ser reconstruída, pensada e superada – pelo menos intelectualmente – em grupo, através das conversações de novelas que tratam esta origem de uma forma céptica. Todas as novelas são comentadas em roda, e cada personagem, ao introduzir a historieta, traça considerações de ordem crítica-filosófica, possivelmente como reflexo da voz do próprio autor que deseja fazer reclames morais.

De alguma forma, esta nova organização social particular de moços fugidos da peste colocava-se fora do sistema para poder falar sobre ele mais livremente – através do novelar em roda –, ainda que sem querer ou poder explicitamente ultrapassá-lo. O adultério – tema recorrente em diversas jornadas do novelar –, ainda que massivamente praticado, não poderia ser admitido como prática aceitável naquele meio, o que facilita o desencadeamento de muitos motivos para a hilaridade acerca do assunto e até uma certa condenação às convencionalidades aparentes na vida amorosa dos casais, o que transforma o humor em um desencadeador de transformações importantes na consciência da época.

Por maior que seja o esclarecimento sobre as circunstâncias de um tempo histórico longínquo, dele não se pode retirar a mais ínfima sensação de seu estado de espírito, a não ser por alcance racional, o que desqualifica a sensação. Em decorrência disso, não se pode imaginar a real sensação que um livro como este pôde causar nos espíritos daqueles acostumados às narrativas que explicavam os fenômenos através de acontecimentos mitológicos ou através do relato de experiências prosaicas e genuínas da vida. Por outro lado, o livro de Boccaccio faz de uma situação nova – a peste negra –, pretexto para dez jovens discutirem estas mesmas experiências prosaicas e genuínas da vida que levavam – e ouviam contar – outrora. A diferença está na insegurança que o futuro apresenta diante deste fato histórico real, ainda que o grupo estivesse muito bem provido de bens materiais. Provavelmente a maior instabilidade que o texto pressupõe através do humor, mas não explicita, são as mudanças de costumes na vida dos grupos humanos na Europa ocidental por que a época começava a adentrar.

Lorenzo Baroni Fontana

Published in: on 10 février 2012 at 0 h 34 min  Laissez un commentaire