Les deux géants: le géant du feu

Il y a sur la Terre deux êtres de grande taille qui ne s’arrêtent jamais de marcher d’un coin à l’autre et qui, pourtant, ne se trouvent jamais ensembles l’un dans la présence de l’autre. On dit souvent qu’il sont frères gémeaux, mais chacun ayant sa couleur propre. Le bonheur d’un frère correspond à la douleur de l’autre frère et ainsi de suite. Néanmoins, leurs chemins sont toujours les mêmes, ils coulent à travers les mêmes routes. Comme ils passent – sans jamais se franchir, bien entendu -, ils laissent derrière eux-mêmes les marques puissantes de leur présence, et il arrive que, des fois, ils se fâchent plus que d’habitude et, en se tournant, ils punissent ceux qui les ont fâchés en soufflant des coups de vents forts et mauvais parvenus de leurs énormes poumons.

Le même caractère mais en sens inverse.

Le premier frère a l’habitude de nous rendre visite à la fin de décembre et le voilà aujourd’hui. Je ne le vois pas, car il est naturellement interdit de passer au-delà du tropique du capricorne. Au fait, c’est pour cela que je ne l’ai jamais vu, cependant on disait que nous devrions être prudents avec la fureur chaud de son dégoût qui vainc l’ennemi par la fatigue et la mollesse. En outre, sa zone d’influence est si vaste que l’on ne peut pas penser à lui échapper de sa présence. Son arme la plus efficace, pourtant, est celle qui établit le désir charnel pour le malchance des scrupules humains. À mesure que le temps se coule et il s’en va en échappant, la Paix s’approche en nous donnant les bonheurs si coûteux. Mais jusque-là il y a encore plus d’un couple de mois sous son règne.

Lorenzo Baroni Fontana

Published in: on 22 décembre 2011 at 18 h 44 min  Laissez un commentaire  

A história, a literatura e a política na voz das Musas hesiódicas

[…] Elas um dia a Hesíodo ensinaram belo canto
quando pastoreava ovelhas ao pé do Hélicon divino.
Estas palavras primeiro disseram-me as Deusas
Musas olimpíades, virgens de Zeus porta-égide:
« Pastores agrestes, vis infâmias e ventres só,
sabemos muitas mentiras dizer símeis aos fatos
e sabemos, se queremos, dar a ouvir revelações ».
Assim falaram as virgens do grande Zeus verídicas,
por cetro deram-me um ramo, a um loureiro viçoso
colhendo-o admirável, e inspiraram-me um canto
divino para que eu glorie o futuro e o passado,
impeliram-me a hinear o ser dos venturosos sempre vivos
e a elas primeiro e por último sempre cantar.
[…]
Na Piéria, gerou-as, da união do Pai Cronida,
Memória rainha nas colinas de Eleutera,
para oblívio de males e pausa de aflições. […]

.

Tal excerto é parte integrante do afamado poema épico de Hesíodo que trata da organização e constituição da esfera divina tal como digna de fé das comunidades gregas em formação desde a Antigüidade arcaica – a Teogonia ou A origem dos deuses. O contexto histórico é o período arcaico da Antigüidade mediterrânea, em que as unidades políticas e culturais da Grécia clássica de que tanto se fala hodiernamente desenvolviam-se ainda embrionariamente, de que se pode intuir a importância cultural da fé na forma e função do espaço divino inaugurada a partir deste texto épico e que se alongou até o período clássico e mesmo até à formação do Estado romano – e, igualmente, influenciou, direta ou indiretamente, toda a fé religiosa ocidental pós renascentista.

Hesíodo principia o longo poema cosmogônico com as Musas, nascidas de Memória e Zeus, e tal se explica porque é a partir delas que as coisas se vão contar. A existência e as ações das Musas exprimem a natureza de seus progenitores. De Memória, elas herdaram o vigor da presentificação das coisas a partir do canto, da linguagem do cantar. A linguagem significa aqui o próprio ser da coisa: ela traz a coisa à luz da presença, e, ao mesmo tempo, relega o outro – alter coisa – ao esquecimento, já que a linguagem é concebida, neste contexto cultural, como uma força que liga intimamente a palavra àquilo a que ela faz referência. Uma palavra está naturalmente associada ao seu significado, de modo que não se distinguem dois elementos – a palavra e a coisa -, a palavra é a própria coisa. Esta é uma das funções primordiais das Musas e da literatura – através da linguagem, trazer à luz e levar à escuridão, desvelar e ocultar.

É dessa forma que a poesia representa o homem e projeta nele a sua própria realidade de volta, trazendo pela linguagem o ser da existência e levando através da não-linguagem o não-ser da ausência. Apenas existe o que se traz da memória no canto, o que não se canta está relegado à ausência e ao esquecimento. O canto poético presentifica as coisas pela Memória, mãe das Musas. Às Musas cabe este papel de concretização do real. Filhas de Zeus, por outro lado, elas herdaram deste o poder de concretização, de configuração do mundo, da verdade, sempre através do canto. Aquilo que cantam as Musas existe em toda a sua concretude. A aproximação do poder de configuração do mundo e do poder de presentificação das coisas pela força da linguagem faz entrever a função máxima do discurso – e da arte poética em particular – como recriador de mundos projetados pela imaginação cultural humana. Desta maneira se comportam todos os discursos humanos, sejam aqueles que dizem respeito ao passado – discurso histórico -, sejam aqueles que deliberam sobre o futuro – discurso político.

As Musas, elas próprias o canto e todo o poder que dele emana, concedem numinosamente a inspiração do canto que hineará o passado e o futuro, resgatado e projetado pelo poder mnemônico, a Hesíodo, pastor de ovelhas que labuta ao pé do Hélicon divino. Aqui, ao se projetar na poesia como o simples mortal que será inspirado de arte poética pelas Musas, Hesíodo antecipa o mesmo pensamento que posteriormente Platão fará figurar no diálogo que Sócrates firma com Íon a respeito da inspiração poética – e na verdade de toda inspiração artística – segundo o qual o homem não é mais que uma substância viva despertada pelo encantamento divino na reprodução artística. A verdadeira arte é imortal, e como tal, não pode germinar dentro de um corpo perecível, invólucro de que ela se utiliza para espalhar sua beleza entre os humanos. Para Hesíodo, a fonte de onde provém toda esta beleza é divina e fora dela não se pode originar. No que diz respeito às artes verbais, são das Musas origem, e somente estas as podem inspirar ao ser humano, imortal, perecível e finito.

Ao assim concederam o canto, as Musas expõem a Hesíodo seu poder de presentificação do real e também da mentira símil ao real. Este poder é a possibilidade de desvelar o real ou ocultá-lo sob o véu da similitudade compartilhada com o outro – o irreal. Algo no real é capaz de se assemelhar ao irreal, e assim as Musas são capazes de gerar confusão aos imortais. Aqui, Hesíodo apresenta a natureza do discurso, que pode operar com a pura verdade – o real -, com a verdade vestida de ficção – o segredo – , com a ficção vestida de verdade – a máscara -, ou com a pura ficção – a invenção. Tanto a história quanto a literatura ou a política, uma vez espécies distintas do discurso, podem trazer as coisas à luz destas variadas formas, e, dessa forma iluminadas, adquirem a característica de ser e de existir.

É ainda pela Musas – e só por elas – que o aedo começa e finda o canto, pois, uma vez sendo o próprio canto, são as Musas que dirigem e comandam o poder natural do canto, elas são a poesia, a história e a política deliberativa, e é através delas que o homem configura seu próprio ser e seu próprio mundo, já que são as Deusas do discurso, filhas da Memória e do deus de todos os outros mortais e imortais, Zeus. Eis que a partir delas Hesíodo expõe a importância da memória para o homem simbólico, que dela se utiliza para clarear seu passado, hineando suas origens e as peripécias pelas quais atravessou a vida até o presente. Traz à luz tudo o que lhe constitui e colore o discurso de modo a lhe soar mais agradável e suscetível de memorização, recurso de perpetuação daquilo que para o homem é caro. De posse da organização discursiva de sua origem, da origem do divino e, assim, da forte convicção de sua identidade, o homem afirma-se uno e coerente para topar as peripécias que a Fortuna lhe reserva para o futuro, e assim vive dentro da fé do entendimento de si mesmo.

Um dos fósseis desta concepção arcaica de linguagem presentificadora permanece intocado em nossa tradição religiosa, quando afirmamos, por exemplo, que palavras ruins não devem ser proferidas porque atraem a má Fortuna, ou ainda, através da reza e de rituais em que a palavra é uma fortaleza. Do popular « cale-te boca » ao Espírito divino que constitui o mundo através da palavra nas Sagradas Escrituras, as Musas hesiódicas estão presentes em toda a sua força. Coletividades cuja tradição cultural se repassa oralmente através das gerações – seja de que tempo histórico forem – lapidam o verbo de modo a ajustar-se na memória, tão cara a eles, e, assim, são cultuadores também das Musas, deusas do canto – mais precisamente da ideia que elas representam. Do fundo do tesouro da memória, o homem reconhece-se a si mesmo através do discurso; deste discurso, o homem pondera os fatos e toma as decisões que julga conveniente a si para seu próprio futuro; e, paralelamente a estes discursos tão importantes – e de forma alguma segregada deles – corre o embelezamento do verbo, porque a beleza é uma virtude universal de que nenhum grupo humano deseja estar apartado.

Lorenzo Baroni Fontana

Published in: on 15 décembre 2011 at 22 h 15 min  Laissez un commentaire